quarta-feira, 2 de maio de 2012

Contos mal contados #03


Soldado Vermelho

09 de Júlio, 06:01h
Encontro-me agora em meio a algo que uma das melhores saídas seria a morte, algo em que lutamos as cegas como peões de um tabuleiro de xadrez, apesar de sermos a maioria... Só temos uma escolha: seguir em frente.
Lutamos pela ganância de nossos superiores, recebemos ordens de pessoas que só sabemos que existem por causa de assinaturas em papeis impressos. Deixamos pais, esposa, filhos. Para saciar a sede de poder dos nossos “reis”. Nas minhas próximas folhas, relatarei algo que não é um conto de fadas, nem cenas distorcidas que vemos nos filmes hollywoodianos. Algo que existe desde os primórdios, que às vezes sabemos que não resultará em nada, mas mesmo assim fazemos, só para alimentar nosso ego e provar nossa superioridade: a guerra.

Quando embarcamos nessa jornada, vemos jovens vigorosos e animados, jovens que procuram mostrar do que são capazes. Vemos também aqueles arrependidos, forçados a entrar nesse grande labirinto de ruínas, fogo e desgraça.
Se alguém diz que hoje “o dia foi um inferno” foi porque nunca viu como é a guerra de verdade. Às vezes acordamos no meio da noite, escutando gemidos e gritos de soldados apavorados com pesadelos, tiro, fome... Frio. E às vezes, nem acordamos, nunca mais.
Muitos aqui perdem a fé, a humanidade, a alma. Aqui é visto o que pensávamos que nunca iríamos ver em todas nossas vidas. E não existem pausas. Todas elas aparecem de vez, como um trem desgovernado carregado de caos. Mas em um de seus vagões, apenas um. Há esperança. Algo que alguns a esquecem, e nem sabem mais o significado. Esperança esta de um dia voltar pra casa, rever os parentes, comer como um homem, dormir como um homem... Viver como um homem.
Qualquer dia pode ser o ultimo dia, qualquer dia uma bala sem destino de um homem destinado pode completar seu objetivo.

Balas cortam o ar como estrelas cadentes à noite, mas estas sentimos seu calor, ouvimos seu barulho e sua cor tão viva como nunca, e o nosso principal desejo é que não atenda o desejo de quem a libertou. A cada passo que damos, encontramos um amigo, às vezes sorrindo pra você, disfarçando o medo que o cerca. Ou liberto, pois a única forma de se ver livre de uma guerra é quando morremos. Elas nunca acabam. Elas apenas descansam e esperam o momento certo de voltar.
Bombas estouram em seus ouvidos como o milho de pipoca, por um momento achas que acabou, mas depois que recobra a consciência vê que ainda está no mesmo inferno de antes. Só que agora surdo, cego e cada vez mais sem rumo.

Quando perdemos nossa esperança, esvai-se com ela nossa crença. O Deus que nos protegia arredou-se como um cão covarde, o nosso deus é o rifle que empunhamos e nossa fé, a munição. Mas quando nosso deus escorrega de nossas mãos ou quando nossa fé acaba, somos apenas um herege sem salvação. Esperando apenas que a morte nos leve.
Perdemos nossas expressões com o tempo, alegria e tristeza são as mesmas. Para alguns a insanidade não tarda a chegar, e a saudade e esperança de rever nossa família são cobertas pelos rostos de amigos e inimigos mortos em batalha. Esquecemos que somos humanos.

A guerra amigos é uma sugadora de almas, destruidora de sonhos e amor. Onde os fracos e fortes perecem pela mesma causa, e seus corpos apodrecem do mesmo jeito. E na maioria das vezes seus nomes só são lembrados pelos parentes, após derramar suas lagrimas durante a ceia, quando olharem para seu espaço vazio da mesa e pensar em vão que um dia estarás ali novamente. Passasse anos aguardando ansiosos pelo seu retorno, enquanto os mais realistas só querem a noticia de como você morreu, e se seu corpo chegará em casa, para te darem o ultimo abraço e te sepultar com o devido respeito.
São 06h13min da manhã, já posso ouvir os barulhos de bombas e aviões carregados de explosivos, estou ferido. E creio que serei levado para casa assim como os outros sem serventia, acho que encontrei o vagão que faltava, estou esperançoso de rever minha família. Então, deixo aqui minhas ultimas palavras nesse lugar esquecido por Deus.
Será que a guerra é o único meio de ter a paz? Será que é destruindo que se cria? Sim, diriam nossos “reis” após nos mandarem seguir em frente no tabuleiro, pois a única forma de vencer o jogo é sacrificando seus “peões” e cortando o mal pela raíz, com um belo check-mat. Mas, o que diria eu?
Aqui os passarinhos não cantam como no jardim de minha casa, mas isso há de acontecer em breve. Só espero que o café de minha mãe ainda tenha o mesmo cheiro de antes, e esperaria que um dia esquecesse isso tudo, mas sei que esses fantasmas vão me perturbar durante anos e anos, até o dia de minha mor... – com um barulho ensurdecedor a porta da frente é arrancada, homens fardados começam a entrar rapidamente. Todos empunhavam suas armas com o cano quente logo após suas rajadas. Caminhavam a procura de sobreviventes para terminar a execução, em seguida, só encontram um homem caído com o rosto em sua própria poça de sangue, ele segurava uma caneta e ao seu lado uma carta que agora manchara. - Ein weiterer Mann starb träumen! – disse o soldado inimigo.


Por: Kadu Castro

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